O ROMANCE TRÁGICO DE INÊS DE CASTRO
Quando o príncipe D. Pedro chegou à idade de casar, o rei D. Afonso IV fez o que era costume na época: mandou pedir a mão de uma menina nobre para o seu filho. A escolhida foi Constança Manuel, que pertencia à família real castelhana.
D. Pedro recebeu D. Constança como sua mulher mas apaixonou-se perdidamente por uma das aias que a acompanhavam.
Não é fácil esconder sentimentos fortes. Toda a gente percebeu, comentou, cochichou. Há quem diga que D. Constança também sabia do caso e tentou resolvê-lo de uma maneira subtil. Naquele tempo os padrinhos de uma criança passavam a ser como irmãos dos pais da criança. Um acto de amor entre eles seria considerado crime.
Para impedir que o marido se aproximasse da aia, convidou-a para madrinha do primeiro filho rapaz.
O menino, de nome Luís, faleceu uma semana depois de baptizado, e então é que estalou o falatório! A corte em peso comentava pelos corredores que a culpa era de Inês. Com certeza não tinha pronunciado com fé as palavras sagradas junto da pia baptismal...
A hostilidade cresceu à volta de Inês de Castro, reforçada com este excelente pretexto. Mas a verdade é que há muito despertava invejas. Entre as mulheres, por ser linda. Entre os homens, por não lhes prestar atenção.
O romance continuou, embora discreto. E o príncipe não descurou as obrigações matrimoniais, já que no ano seguinte Constança deu à luz outro rapaz, Fernando.
Nessa altura o destino encarregou-se do assunto. D. Pedro ficou viúvo, e juntou-se com a sua amada. Durante alguns anos viveram felizes e despreocupados. Quando já tinham três filhos pequenos, instalaram-se em Coimbra para passar uma temporada num pavilhão de caça que se erguia no sítio onde hoje fica a Quinta das Lágrimas. E as intrigas voltaram agitar a corte, chegando ao ponto de convencer o rei de que a única forma de afastar Inês era matá-la. Um dia, sabendo que o príncipe saíra para ir à caça, o rei e três homens da corte foram procurá-la.
Tinham combinado que a matariam onde a encontrassem. Por acaso encontraram-na à beira de uma fonte.
D. Inês percebeu ao que vinham; ficou aflitíssima, chorou, lembrou os filhos, que tão pequeninos iam ficar sem mãe. O rei então hesitou, mas não quis desdizer-se e foi-se embora, deixando aos três malvados companheiros liberdade para procederem como entendessem. E eles apunhalaram-na sem dó nem piedade!
Segundo a tradição, o sangue de Inês escorreu sobre as pedras da fonte e nunca mais ninguém conseguiu apagar a mancha vermelha que ali ficou para sempre a lembrar o terrível crime.
D. Pedro, louco de dor, levantou-se em armas contra o pai e incendiou muitos castelos e povoações que lhe pertenciam. Só passado muito tempo aceitou fazer as pazes, mas aos assassinos nunca perdoou. Mal subiu ao trono, mandou persegui-los, capturou dois e condenou-os à morte. Segundo consta, exigiu ao carrasco que arrancasse o coração a um pelo peito e a outro pelas costas! Diz-se também que retirou Inês do túmulo, a sentou no trono e obrigou a corte a beijar-lhe a mão, o que é muito pouco provável que tenha acontecido. Mas não restam dúvidas de que lhe organizou um enterro espectacular. Mandou construir dois belos túmulos, um para si próprio e outro para Inês. Quando ficaram prontos, ordenou que os colocassem no mosteiro de Alcobaça. E então organizou um cortejo fúnebre entre Coimbra e Alcobaça. Gente do povo, do clero e da nobreza espalhou-se pelo caminho, e todos fizeram vénias à passagem do caixão. E muitos criados acompanharam o enterro com tochas acesas.
in Ana M. Magalhães, Isabel Alçada, Portugal, Histórias e Lendas, ed. Caminho